O Brasil conseguiu o que parecia impossível: transformar o presídio mais temido do país em série de streaming

por Eduardo Graboski
Publicado em 04/11/2025, às 14h43
Tremembé, nova produção da Prime Video, é um mergulho – ou melhor, uma descida – ao presídio dos famosos, onde Suzane, Elize e companhia cumprem pena sob o olhar atento do público e, agora, das câmeras de ficção. E é sobre isso: o país que consome tragédia como quem assiste novela das nove.
Desde os anos 2000, a penitenciária de Tremembé virou sinônimo de “celebridades do crime”. Cada transferência famosa era tratada como uma reviravolta de temporada. Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, os irmãos Cravinhos, Anna Carolina Jatobá, Alexandre Nardoni… um elenco que, gostemos ou não, marcou o imaginário popular.
Agora, com Marina Ruy Barbosa no papel principal, o presídio ganha uma lente de cinema e uma trilha sonora impecável. E aqui, confesso, um dos grandes acertos da série. É ponto alto. Tudo se encaixa de forma cirúrgica. As músicas dão alma às cenas, criam tensão e realismo. É o tipo de trilha que não se impõe, mas que faz falta quando some.
Outro ponto alto: o elenco. Os atores estão assustadoramente parecidos com os criminosos reais — e isso potencializa o impacto. Marina Ruy Barbosa se consagra no formato. É destaque absoluto. Entrega uma Suzane fria, meticulosa e enigmática, sem cair na caricatura.
E o roteiro ajuda: costura bem as tramas paralelas, mantém o ritmo, dosa o suspense e prende (sem trocadilho, sic) quem assiste. São muitas histórias, é verdade, mas o roteiro evita o erro clássico de querer explicar demais. Ele mostra. E pronto. Nota 8/10 — porque o texto entende que o público já conhece os casos e não precisa mastigar cada detalhe. A narrativa é direta, fluida e, principalmente, viciante.
Alguns críticos podem reclamar que a série “não é profunda”, “não analisa o sistema”, “não problematiza o crime”. Mas… e quem disse que era pra ser?
Tremembé não é documentário, é entretenimento. Quem quiser reflexão filosófica que leia os autos do processo ou as reportagens da época. Na TV, a proposta é contar, não explicar. Mostrar, não julgar.
E tudo isso é o que a torna tão interessante: é uma série que assume seu papel de produto cultural, feita para ser assistida, discutida, debatida e, sim, maratonada. Spoiler: me deu ranço da nossa Justiça ao ver o desfecho de tudo. A cada cena, a sensação é de que o sistema é brando demais para crimes tão cruéis. A série não poupa o espectador dessa frustração.
Tremembé transforma o presídio em um universo comum: presos, médicos, guardas, visitantes, todos com suas próprias histórias, suas dores e pequenas corrupções. A série mostra, sem exageros, o que é viver (ou sobreviver) nesse ambiente: a hierarquia entre os detentos, os pequenos privilégios, os pactos silenciosos. Nada é romantizado. É real. Na medida certa.
E se vier uma segunda temporada, há espaço de sobra para novas histórias, novos rostos e, claro, novos “famosos” atrás das grades. No fim das contas, Tremembé não quer mudar o mundo. Quer entreter. E consegue. E no país onde o crime sempre acaba virando conteúdo, talvez essa seja mesmo a única forma de entender nossa própria relação com a fama, a dor e o ‘espetáculo do crime’.
É irônico, desconfortável e, acima de tudo, fascinante. Porque o Brasil é o único lugar do planeta em que até o presídio dos famosos ganha roteiro, trilha e protagonista ruiva.