“Passei 40 anos achando que era branca”, diz Aline Borges, a Zuleica de Pantanal

Atriz contou que não se reconhecia como mulher preta

Redação Publicado em 15/09/2022, às 06h41

Aline Borges contou que só se reconheceu como mulher preta após os 40 anos - Foto: Reprodução/ Instagram@ligborges e @marciofariasfoto

Intérprete de Zuleica na novela Pantanal, a atriz Aline Borges, de 47 anos, contou que passou 40 anos de sua vida achando que era uma mulher branca 一 e que só alcançou seu espaço na arte após se reconhecer como uma mulher preta.

“Só estou ocupando esse espaço agora porque eu me reconheci como mulher preta. Por não ter a pele escura, a gente se distancia da nossa negritude, a gente passa a acreditar que a gente não tem a pele preta. Muita gente vai falar, ‘você nem é preta, nem tem a pele escura assim’”, argumentou ela, à Quem.

Aline acrescentou: “Eu achei durante 40 anos da minha vida que eu era uma mulher branca e que teria o mesmo privilégio de uma pessoa branca. Só que não tive porque eu não sou branca. Eu ficava totalmente sem saber quem eu era, ficava distante da minha identidade e isso não me dava força”, continuou.



O processo de descoberta, segundo ela, aconteceu depois dos 40 anos, após ela fazer uma peça que abordava o racismo.

“Foi durante uma peça de teatro chamada Contos Negreiros do Brasil, do Marcelino Freire, que me entendi como uma mulher preta. Era uma peça que trazia números e estatísticas sobre a real situação dos pretos no Brasil. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. A gente ouve, mas não se dá conta dessa dimensão e naturaliza isso. Quando eu fui chamada para fazer essa peça, pensei: ‘Como assim? Eu não sou eu sou preta’. Fiquei confusa na hora, mas fui e chegando lá, me identifiquei com todas aquelas pessoas. É como se eu tivesse voltado às minhas origens. Aquele era o meu lugar. Mas ainda estava confusa porque eu não me reconhecia como mulher preta. Comecei a fazer a leitura do texto e pediram para que cada ator escrevesse um monólogo sobre a própria vida do ponto de vista de uma mulher preta ou como um homem preto. Pensei: ‘Meu Deus, agora o que eu vou falar? Eu não sou preta’. Entrei no meu quarto, peguei uma caneta e um papel e comecei a escrever sobre a minha vida desde quando eu nasci”, revelou ela.

Aline contou que há muito mais espaço na TV para pessoas pretas:

“É importantíssimo ter pessoas pretas em todos os espaços. Eu não me reconhecia na TV. Meninas pretas e meninos pretos vão assistir TV e precisam se ver não só nos papéis que a vida inteira colocaram a gente, o de empregada, copeira e faxineira. Eles precisam se ver presidente, médicos… É isso que a gente precisa ver, essa transformação. Ter essa família Gonçalves em Pantanal é muito importante, mas ainda é apenas um núcleo. Precisamos ocupar mais espaços”, acrescentou.

A atriz contou ainda que atingiu o ápice do reconhecimento profissional por conta da novela Pantanal, e que muita gente pensa que ela começou a atuar recentemente, apesar de ela ter 27 anos de carreira.

“Estou vivendo um momento na minha carreira que é muito importante. Um momento de ascensão dentro de uma trajetória que vem de muito tempo. Eu tenho 27 anos de carreira. Nunca tinha tido a oportunidade que eu estou tendo agora com o Pantanal. Tem gente que está achando que eu estou começando agora. ‘Nossa, onde estava essa atriz?’. Estava no teatro. Estava plantando o meu caminho e fazendo muitas outras coisas. É a primeira vez que eu tenho, dentro desses 27 anos de carreira, uma oportunidade de mostrar o meu trabalho”, contou.

Na versão original de Pantanal, Zuleica era interpretada por uma atriz branca. A escolha de Aline para o papel 

“A gente vive em um país extremamente racista onde a gente precisa lutar muito para ver pessoas pretas na televisão atuando ou ocupando espaço de poder em qualquer lugar na sociedade. Eu sou uma mulher preta que não tem uma pele retinta. Então, o meu prejuízo social nunca vai se comparar ao de uma mulher preta retinta. Sou uma mulher preta que representa várias outras mulheres pretas, mas as oportunidades para mim são maiores do que para uma mulher preta retinta”, ressalta.

Aline contou ainda que chegou a cogitar uma operação no nariz para se afastar de sua negritude: “Quando você não se reconhece como mulher preta, você não tem amizade com o seu cabelo, quer operar o nariz… A sociedade diz que tudo o que vem da nossa cultura é ruim ou vale menos. A vida inteira me queimei tentando alisar o meu cabelo. Quase operei meu nariz. Para minha sorte, não tive coragem. Eu não sabia da minha potência. Quando você é ensinado a acreditar e a enxergar a tua luz, ninguém te segura”, completou.

 

Pantanal Aline Borges Zuleica

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