"Desconhecidos", novo trabalho de Luca Ferreira, cresce como obra saída dos escombros da alma
Luiz Henrique Oliveira Publicado em 19/06/2022, às 21h20
É comum dizer que nós, enquanto humanos, crescemos nas adversidades e aprendemos com a dor nossa de cada dia. Muitas obras se inspiraram nesse momento complicado para criar a escada que salvasse da fossa: do cinema à literatura, da pintura à música, existem diversos exemplos de trabalhos artísticos que só conseguiram chegar a um patamar elevado devido ao sofrimento de seu criador. É quase como uma obra de arte tirada à fórceps.
Em seu mais novo single, Luca Ferreira -- promissor cantor e compositor de Itapetininga, interior de São Paulo -- se vale dessa possibilidade para criar seu segundo single na carreira, "Desconhecidos". O talento do músico permitiu que ele criasse uma música que cala fundo em qualquer pessoa que já sofreu por amor; ainda que o tema seja utilizado à exaustão em prosa e verso, há de se reconhecer que nos versos simples, mas bem amarrados da composição de Luca é possível observar a dor que comentamos lá no começo desse texto. A dor que nos atravessa é também a corda que nos tira do fundo do poço.
Luca fez a lição de casa ao usar os seus sentimentos mais densos para criar "Desconhecidos". Em entrevista recente, o cantor afirmou que a inspiração veio de um momento pesado em sua vida pessoal, afirmando até que a Música (essa com maiúscula) salvou a sua vida. "Abria o jornal e só via morte. O momento político junto com o meu emocional resultou em um período muito ruim”, disse ele. Só quem vem atravessando o péssimo momento da vida nacional com uma tempestade na vida pessoal sabe como os versos da música servem quase como um espelho.
Trechos como "E eu podia ter surtado menos / Mas a ansiedade e o medo / De te perder me fez mesquinho / Te privou do meu carinho" poderiam ser encontradas tanto em letras de música popular quanto em livros de poesia, ainda que com versos de "pé quebrado", como se dizia antigamente. Não faz mal: a ideia da rigidez poética ficou com os parnasianos, a ideia hoje é ser direto ao falar com o centro da alma do interlocutor. Nesse sentido, Luca Ferreira alcançou um resultado muito interessante com sua nova composição, já que a aparente simplicidade da letra se une com uma batida crescente e vai direto ao coração.
Poucos dias após liberar a música nas plataformas de streaming, o clipe de "Desconhecidos" também foi disponibilizado no YouTube, e mostrou as inspirações de Luca e do diretor Vine Fabiano, que usaram da metáfora das flores para demonstrar, com forte simbolismo, a necessidade de permitir que algo tão delicado possa crescer mesmo em condições apocalípticas -- como o amor, que semeado em corações quebrados, ainda se permite crescer e florescer.
Na estética, o trabalho da dupla no clipe faz lembrar outra música com a sensibilidade à flor da pele (com o perdão do trocadilho): "Perfeição", lançada em 1993 pela banda Legião Urbana, o último clipe do conjunto antes da morte de seu líder, Renato Russo, três anos depois. O uso das flores também remete ao trabalho de Anne Leibovitz, estética assumida por Luca em outras declarações, e que também se nota no cuidado com a fotografia, com a sensibilidade do que é passado para o espectador.
Com tudo isso, é possível cravar que "Desconhecidos" consegue ser, em simultâneo, popular e erudito, levando a um público mais amplo e de forma convidativa os sentimentos que muita gente não consegue colocar para fora de forma natural. Na época do lançamento da música, logo no fim de abril, Luca prometeu trabalhar em um EP que marcará sua estreia oficial no meio artístico. Qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade estará esperando ansiosamente por esse lançamento.
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