Funkeira falou sobre racismo e incentivou denúncia
Redação Publicado em 20/06/2020, às 05h51
Uma das precursoras do funk no Brasil, MC Carol postou um relato sobre racismo impressionante em sua página no Facebook.
Em um longo texto, a funkeira de 26 anos revelou que já sofreu “ataques paralisantes” na época em que estava na escola e disse que chegou a ser expulsa de um táxi por um motorista preconceituoso.
“O racismo é assim: Ele te envergonha. Te coloca pra baixo. Faz você acreditar que você é muito menos que uma pessoa branca. Que você é feia, suja, inferior. Faz você entender que você precisa de pessoas brancas pra se enturmar etc... Faz você ficar contra os seus, não se relacionar principalmente amorosamente com os seus. Te coloca medo”, diz ela, em um trecho.
Na postagem, Carol diz que o racismo deixa “traumas incuráveis” e marcas “difíceis de apagar”, e que até hoje fica constrangida em entrar em lojas de luxo, mesmo tendo dinheiro.
“O racismo te causa traumas incuráveis, eu até hoje fico constrangida pra entrar em lojas e principalmente restaurantes de luxo, mesmo tendo dinheiro pra entrar, de verdade mesmo. Quem me conhece sabe disso! O racismo te pega em ocasiões que você menos espera e na maioria das vezes, VOCÊ TRAVA. Você fica tão chocado(a) que você paralisa, a lágrima vem e, você não consegue falar nada!”, explicou.
Ao final do desabafo, Carol incentiva a todos a denunciarem atos preconceituosos e racistas: “Mas a gente tem que falar, a gente precisa falar! A gente precisa expor e denunciar esses racistas!”, aconselhou.
Leia o desabafo na íntegra
Eu fiz algumas postagens falando sobre o racismo na infância, que sofri no meu antigo colégio, vou contar uma outra parte. Eu fiquei nesse colégio até meus 12 anos, meus avós decidiram sair do morro, eles queriam me colocar num colégio particular eu chorei tanto... Eu passei na porta e só tinham crianças brancas, eu ameacei a (sic) fugir de casa, se meu avô fizesse isso comigo!
Então ele me colocou em um público achávamos que eu sofreria menos, ok. Cheguei na turma e nem a professora falava comigo, foram meses assim, eu só tinha uma amiga chamada Miris, mas nem sempre ela estava por perto. Foi o ano todo assim, eu acordada às 4:30h da manhã, saia de casa 5:30h e chegava no colégio 6:30h, horário de entrada. Não tinha ônibus, eu morava em Vendas das Pedras quando chovia tinha que colocar sacola no pé, muita lama era horrível.
Aí eu chegava no colegio e era desprezada, as pessoas faziam piada com minha roupa, riam do meu cabelo, do meu corpo, falavam coisas baixinho com um olhar de nojo. Eu tinha vergonha até de comer na escola ou ficar no pátio. Eu me escondia todos os dias na biblioteca.
Enfim... Todo dia era uma luta diária, eu passava por tudo isso porque eu queria ser alguém, dar uma vida melhor pros meus bisavós, retribuir o que nunca foi obrigação deles. Eu tirava 10 em tudo, eu era mega inteligente, comunicativa, engraçada, pra cima. Até que um dia eu cansei de ficar sozinha e fui até uma mina preta da minha sala e perguntei a ela se eu poderia sentar junto com ela, (eu juro por tudo q é mais sagrado) eu lembro como se fosse hoje, o nome dela era Veronica, ela era uma negra retinta, ela me respondeu: 'Eu não sento com negros, não tenho amizade com negros, eu odeio negro'.
Eu pensei que ela estava brincando e, ela repetiu friamente. Aí eu vi que era verdade msm! Falei: 'Como assim cara? Mas você é negra, de família de negros igual a mim'. Ela me respondeu que tinha nojo de negros, da pele dela etc... Mano isso acabou comigo, eu só queria sumir daquele lugar! Pedi diversas vezes, pro meu avô me tirar dali e tentar outro colégio mas meu avô sabia que não tinha como fugir, eu ia passar por isso a minha vida inteira.
Passou uns meses e uma das meninas populares da turma, se virou, mexeu no meu caderno, viu uma foto de uns amigos negros que tinha colado no meu caderno. Ela chamou meus amigos de 'bando macacos', ela falou num tom alto, a turma toda ouviu, riu. Aí começaram a bater na mesa e fazer som de macacos, eu me levantei fui até a professora e perguntei: 'professora, ela chamou meus amigos e eu de macacos', a professora me respondeu olhando pra alguma coisa que ela estava escrevendo que não se metia em briga de alunos.
Com essa resposta da professora aí que os alunos continuaram. Eu fui em direção a menina, puxei o cabelo dela pra trás, em seguida dei com tudo na mesa dela, o nariz dela começou a sangrar muito, todos saíram correndo, eu fui pra casa rápido, cheguei assustada chorando, arrumei minhas coisas culpei meu avô e voltei pro morro.
Fui morar na casa da minha tia, me colocaram num colégio dentro da comunidade, o Maria Pereira das Neves, ali eu pude ser eu, ser engraçada, falar, me expressar, eu amava apresentar trabalho de escola, eu fui muito muito muito feliz. Aí eu pensei que nunca mais ia sofrer racismo.
Aí eu comecei a cantar funk, fui chamava para entrevista do Reality Lucky Ladies, fui colecionada (sci) ok. Fomos para Copacabana ,ficamos lá por 2 meses, as gravações eram internas e externas. Um dia a produção me mandou ir para um ateliê para ajustar um vestido. Deixaram uma gringa caucasiano para me levar até Ipanema, no ateliê. Na esquina do apartamento tinha um Bob's, como não dava tempo de almoçar pedi um lanche, pedi pro pessoal só colocar hambúrguer e batata pra viajem, sem bebida porque eu ia entrar no táxi, que ficava ali na porta também.
Quando descemos o apartamento, eu pedi pra gringa ir pedindo o táxi, enquanto eu pegava o lanche, ela estava me aguardando dentro do táxi, eu entrei no táxi com o pacote fechado e, dei boa tarde, (toda vez q falo sobre isso meus olhos enchem de lágrima eu não estava preparada pra passar por isso! Assim... comparado a tantas maldades, que a gente vê, no mundo, isso não é nada, mas isso me dói até hoje, de verdade e é uma coisa que eu acho que eu nunca vou esquecer).
Na hora que entrei e dei ‘boa tarde’ o taxista (também caucasiano) olhou no retrovisor e começou a gritar comigo, mandando eu sair do táxi dele, ele foi muito agressivo, ele nem esperou eu descer ele já foi abrindo a porta de trás parecia que ele ia me agredir real. A gringa sem entender o que estava acontecendo, nem eu estava entendo na verdade! Perguntei: 'Calma moço, o que que tá acontecendo? Calma eu estou com ela! É por causa do lanche? Eu não vou comer no seu carro, calma'.
E, ele só gritava que era pra eu sair que ele não iria mas pra Ipanema. Aos poucos eu fui percebendo que não se tratava do lanche ele não viu o pacote, se tratava da minha cor! A gringa ficou me perguntando completamente assustava o que tava acontecendo e eu só consegui responder: ‘Deixa, tá tudo bem. Não foi nada’. Tentei disfarçar minha vergonha e minha vontade de chorar e falei: ‘Vamos pedir outro taxi, amore? Você pede por mim?’.
O racismo é assim: Ele te envergonha. Te coloca pra baixo. Faz você acreditar que você é muito menos que uma pessoa branca. Que você é feia, suja, inferior. Faz você entender que você precisa de pessoas brancas pra se enturmar etc... Faz você ficar contra os seus, não se relacionar principalmente amorosamente com os seus.
Te coloca medo. Pavor de andar à noite de roupas escuras principalmente num grupo de pessoas pretas. Deixa você apreensivo ficando perto da bolsa de alguém ou na casa de algum branco. Toda vez que vejo um táxi eu lembro desse dia. Eu não quero, mas eu lembro. (Muitas pessoas brancas acham que é vitimismo ou mentira nossa mesmo, por parte eu entendo, porque é um absurdo você ser maltratado, humilhado, agredido e morto pela cor da sua pele. Se eu fosse branca e morasse em Copa, eu dificilmente acreditaria! Assim como é difícil de acreditar que um pai tem coragem de estuprar sua própria filha sabe...)
O racismo te causa traumas incuráveis, eu até hoje fico constrangida pra entrar em lojas e principalmente restaurantes de luxo, mesmo tendo dinheiro pra entrar, de verdade mesmo. Quem me conhece sabe disso! O racismo te pega em ocasiões que você menos espera e na maioria das vezes, VOCÊ TRAVA. Você fica tão chocado(a) que vc paralisa, a lágrima vem e você não consegue falar nada!
Mas a gente tem que falar, a gente precisa falar! A gente precisa expor e denunciar esses racistas! Temos que se (sic) fortalecer, se preparar e preparar nossas crianças pretas. Na real, eu não sei como vou falar pra minha filha(o) que ela vai sofrer, ser excluída, humilhada e talvez morta por conta da cor da pele dela e, que a vida pra ela vai ser 100 vezes pior e mais pesada, que ela não vai poder ter a liberdade de uma criança branca. A gente não pode abaixar a guardar pra esses animais, porque o racismo nunca descansa!
COLUNISTAS