Cineasta relembra convite do ator Paulo José: "Eu não tinha um tostão e ele aceitou de primeira"

José Roberto Torero emocionou os internautas ao falar sobre sua experiência com o ator

Redação Publicado em 16/08/2021, às 08h23

José Roberto ainda comentou sobre como apresentou o trabalho ao ator - Reprodução/Instagram/Youtube/@paulojose_fc

O cineasta José Roberto Torero deixou os internautas emocionados ao falar sobre sua experiência com Paulo José, que morreu na última quinta-feira (11/08), aos 84 anos de idade, e relembrou de convite feito ao ator. 

No início da década de 1990, José Roberto decidiu convidar Paulo, quando estudava Comunicação e Artes, para narrar um curta-metragem. Na época, o ator, que  estava na produção da minissérie Agosto (1993), aceitou o convite, sem receber nenhum dinheiro: "Já faz quase 30 anos, mas me lembro perfeitamente da primeira vez que falei com Paulo José. Consegui o telefone dele na Globo. Liguei para lá, disse que era estudante de cinema da ECA e queria convidá-lo para participar de um filme. Inacreditavelmente, a telefonista me passou o número na hora. Queria que ele fizesse a narração de um curta-metragem que eu tinha dirigido, chamado Nunc et semper."

Ele prosseguiu: "Evitei ligar por uns dias, ensaiando o que devia dizer. Finalmente juntei coragem e telefonei. Ele mesmo atendeu. Me apresentei, falei que tinha feito um curta e que, desde o começo, tinha pensado nele como narrador. Avisei que não tinha um tostão para pagá-lo e perguntei se ele aceitaria. Paulo nem titubeou. Topou na hora. Não me conhecia, não tinha lido o roteiro e aceitou de primeira. Só avisou que eu teria que ir ao Rio de Janeiro e esperar um horário vago, porque ele estava na produção da minissérie Agosto, que ele iria dirigir."

Torero, que se considerava iniciante e inseguro na época, relembrou como acabou apresentando o trabalho a Paulo: "À noite, coloquei minha fita VHS no aparelho que trouxemos para mostrar-lhe o curta, dei-lhe o texto e começamos a gravar pedacinho por pedacinho. Eu sabia que ele tinha trabalhado o dia todo e deveria estar cansado. Mas não podia deixar de caprichar. Então pedia mudanças, pausas, variações, opções de entonação, enfim, tudo o que um diretor iniciante e inseguro poderia fazer. Paulo teve uma paciência de Jó. Nem uma vez nos apressou e depois, quando eu já estava satisfeito com o resultado, disse que queria fazer um voo cego."

"Eu não desconfiava o que era aquilo. Ele me explicou que gostaria de ler todo o texto de uma só vez para dar uma certa unidade de interpretação. No final das contas, mais da metade de toda a narração veio deste voo cego". O cineasta ainda conta que o curta participou de diversos festivais, incluindo o  Clermont-Ferrand: "Lá ganhou uma espécie de medalha de bronze. Graças, em grande parte, à narração inteligente, linda, sensível e perfeita de Paulo José. Torero ainda afirmou que a parceria entre os dois se repetiu. "Também foi o narrador de outro curta que dirigi, “Amor!”. Também com profissionalismo e paixão, humor e amor."

"A narração de Paulo deixava qualquer texto muito mais inteligente, porque ele adivinhava sentidos escondidos, dava nuances e curvas que nem o autor tinha visto. Ele não apenas lia. Entendia o que lia. Depois pedi que ele fosse o narrador do meu único longa “Como fazer um filme de amor”. Gravamos na casa dele, onde Paulo tinha construído um pequeno estúdio. Mesmo sabendo muito mais do que eu de narrativa e narração, ele se deixava ser dirigido, dando só um palpite aqui ou ali. O trabalho era tão bom que minha vontade era fazer tudo bem devagar, só para poder ficar mais um tempo ali convivendo com ele", explicou.

Ele também se recordou de uma dica que Paulo José deu a ele: "Lembro que, no meio da filmagem, ele me deu uma dica ótima. Estávamos fazendo uma cena com Myriam Muniz, uma atriz espetacular, mas indomável, que não dava a mínima para meu roteiro nem para minha direção, e interpretava tudo do jeito dela, com as palavras dela. Eu já não sabia o que fazer. Nesta cena, Paulo estava dentro de um caixão. Vendo que eu estava atrapalhado, ele me chamou e cochichou: ‘Você escalou o Garrincha, deixa ele jogar’. Claro, era isso! Eu não tinha nada que tentar dirigir a Myriam. Deixei que ela fizesse o que queria e o resultado foi muito melhor do que se ela tivesse obedecido ao roteiro."

"As filmagens de ‘Morte’ foram ótimas. Mas, talvez, os melhores momentos tenham sido quando eu levava Paulo de volta ao hotel no fim de cada dia. Aí era o meu momento exclusivo com ele, que falava coisas inteligentes, contava causos divertidos, declamava Quevedo em espanhol. Tinha lido tudo, visto tudo. Eu só conseguia pensar: ‘Puxa, quero ser igual a esse cara quando crescer’."

"Enfim, quando morre alguém que eu admiro muito, nunca sei se estou triste pela pessoa, que poderia ter vivido um pouco mais, pela família, que vai sentir mais saudade que qualquer um. Por mim, que não verei mais essa pessoa, ou pelo mundo, porque Paulo era um cara que deixava o mundo melhor", completou o cineasta.

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