Pela primeira vez, André Dahmer participa da CCXP, a qual ele confessa nesta entrevista exclusiva para o CENAPOP que não conhecia muito bem.
Redação Publicado em 06/12/2019, às 22h35 - Atualizado em 08/12/2019, às 16h17
Um dos quadrinistas mais celebrados dos últimos anos, André Dahmer não é um homem de esconder opiniões.
Em seu trabalho, que foi um dos pioneiros a usar a internet e as redes sociais não só como fonte de inspiração, é possível identificar suas preocupações como cidadão em tirinhas cheias de crítica social, comentários políticos certeiros e até mesmo alguma melancolia.
Desde os anos 2000, Dahmer tem popularizado seus personagens, conhecidos pela ironia fina, acidez e enorme capacidade de gerar empatia junto ao leitor. Sua obra já esteve no Jornal do Brasil, no portal de internet G1, no jornal O Globo, na Folha de São Paulo, nas revistas Sexy Premium, Piauí e Caros Amigos, e chegou até mesmo a ser usada no tema da redação do Enem de 2011.
Pela primeira vez, Dahmer participa da CCXP, da qual ele confessa nesta entrevista exclusiva para o CENAPOP não conhecer muito antes de aceitar o convite após ser alertado por amigos de que era um festival que atraía cerca de 250 mil pessoas. Segundo ele, “Só os cartunistas são felizes neste país hoje”, já que o governo brasileiro atual dá muito material para que possam trabalhar.
No bate-papo, ele fala sobre o contato direto que está experimentando com o público do evento, sobre o próprio governo atual e o futuro das tirinhas na internet. Acompanhe:
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Como você enxerga um evento como a CCXP para o setor dos quadrinhos, para os desenhistas, e como você vê a importância desse evento para o mercado como um todo?
Eu nunca tinha participado de nada. Aí fui ao Ceará há uma semana, foi a minha primeira feira e essa é a minha segunda vez. Quando me chamaram, falaram: “Olha, vamos te dar um estande, você é um quadrinista convidado”. Eu cheguei até a pensar: “É melhor não ir, porque não é meu público”. Eu pensava que aqui era uma feira de heróis e mangás, enfim. E ai meus amigos riram de mim, falaram: “Cara, você não tá entendendo, é uma feira de 250 mil pessoas, um quarto de milhão de pessoas. Então seus leitores vão estar lá também”.
É assustador, eu não sabia que tinha um grau de organização tão grande. A cada ano, no twitter, as pessoas me perguntavam: “Você vai estar na CCXP?”, aí eu falava: “Não, não vou”. Eu não sabia direito o que era. Mas o grau de organização é muito grande, um profissionalismo muito grande, é um sinal de amadurecimento do mercado. Eu olho com bons olhos.
E como tem sido a sua experiência com o público que você tem conversado em seu estande? Como tem sido a sua experiência com o público que já acompanha seu trabalho?
Para ser sincero, é muito cansativo. A gente fica daqui das 11 até as 9 da noite, ontem eu voltei com o corpo todo doendo e rouco, porque ainda falei durante uma hora em uma palestra. Mas é uma troca boa.
Como eu não estou acostumado a ir em feira, e eu tenho muitos amigos que são dos quadrinhos independentes, que fazem feira e tem esse contato, essa troca. Eu nunca tinha vivido isso. É tão bom ver isso.
Agora há pouco perguntei para um cara que chegou rindo, com um sorriso enorme. Eu falei: “Você tá achando que eu sou palhaço, por que você tá rindo da minha cara?”. Mas é gratificante saber que seu trabalho dá alegria pras pessoas em um momento tão duro que a gente tá vivendo, de país e tudo, tanto ódio, tanta coisa…
E falando sobre essa questão do país, como um todo: você sempre foi conhecido pelo seu humor mais voltado para a crítica social, a crítica política… Como que você vê, hoje, a situação do país a respeito da cultura?
Então. Só os cartunistas são felizes neste país hoje. Então eu sou do grupo que é feliz, porque eu nunca vi um governo tão ruim na minha vida, e olha que eu tenho 45 anos, eu sou um senhor. O que tá acontecendo é muito grave, porque é um ataque, eles querem destruir a cultura brasileira.
E o Brasil só tem três riquezas: a cultura, através da música, do cinema, da literatura, das artes, e eles estão destruindo, porque consideram nefasta a cultura brasileira. Eles olham a cultura brasileira como algo ruim; o nosso petróleo, que eles estão destruindo também; e a terceira riqueza é a natureza, a Amazônia que eles estão destruindo também.
Então o país está vivendo um ataque às três riquezas que a gente tem. Isso não vai acontecer, não vai passar. Nós vamos resistir, eu não tenho medo de nada. Nem ando com gente que tem medo mais. Meus amigos que ficam: “Ah, estou com medo”. Eu falo: “Então não anda comigo”. Até porque eu não preciso ter medo, porque eu sou homem, branco, hétero, rico… quem tem que ter medo são os gays, as mulheres, os negros. Eu realmente não queria ser mulher agora, eu não queria ter 20 anos agora. Mas não é hora de ter medo, sabe? É hora de ser forte e inclusive celebrar, amar, não se deixar paralisar porque a ferramenta deles é o medo. E a nossa é o amor.
A gente sabe que o governo brasileiro atualmente tem ido contra os jornais, principalmente a Folha de São Paulo, onde você trabalha atualmente, e a gente sabe que os próprios donos de jornais estão abandonando um pouco os quadrinhos políticos, a tirinha, porque tem medo do governo. Você acha que isso vai acabar afetando o seu trabalho e o trabalho de outros como você em um futuro próximo?
A Folha tem se posicionado bem até, porque está sofrendo ataques simplesmente por fazer jornalismo. Eu não acredito, a Folha jamais vai censurar nenhum quadrinista, nenhum, nunca vai falar ‘isso não pode’. A Folha publicou Adão Iturrusgarai, que tem um trabalho escatológico nos quadrinhos.
A Folha publica a mim e a Laerte, que tem um viés político muito grande, muito forte. Eles não vão fazer isso com a gente. Perseguição, como eu falei, o que pode acontecer comigo? Talvez perder o emprego, talvez perder um trabalho aqui ou ali, mas eu não sou quem está na linha de frente que vai ser preso ou torturado como fazem com os negros há décadas, inclusive.
Quando a gente chega, agora, na classe média e na classe intelectual dizendo ‘há uma ditadura’… sempre foi uma ditadura, só que era só para os negros, para os pobres. Sempre foi. Sempre foi sem estado de direito, o documento não vale nada, fazem o que quiser como quando pegam de noite na rua o negro trabalhador, e agora quando chega na classe intelectual, nos artistas, dizem ‘ai, a ditadura está acontecendo’. Quer dizer: vivem numa bolha, porque nunca existiu estado de direito no Brasil. Só para os ricos, só para a classe média existe justiça e estado de direito. Para os pobres, nunca aconteceu.
Você veio da internet, se popularizou no começo dos anos 2000. Na sua opinião, a futuro dos quadrinhos e das pessoas que trabalham está na internet? Ela mais ajuda do que atrapalha um criador atualmente, na sua opinião de quem veio dos blogs e foi para os jornais? Como você vê agora a internet?
Eu acho que a internet abriu um leque de possibilidades para você se auto-publicar, para mostrar seu trabalho que é muito importante. Eu não acredito no fim do livro de papel, do jornal, eu acredito que o jornal vai se transformar em outra coisa, que o jornalismo também está repensando o seu papel, porque a gente sabe que na segunda de manhã, quando o jornal sai, as notícias já são velhas. Então o jornalismo está se adequando a outra coisa, praticando um jornalismo mais de opinião, de análise dos fatos mesmo.
Por exemplo, eu não tenho Kindle, eu só compro em livraria. A gente sabe que as livrarias passaram um sufoco agora, e as editoras também por causa da internet. A Amazon quer engolir tudo. Você vê que meu último livro, na primeira impressão – agora já está na segunda – foram impressos seis mil. A Amazon comprou três mil antes de sair, em pré-venda.
Então é muito grave, eu acho que a gente tem que voltar a comprar livro mesmo, na livraria, coisa independente, valorizar. Porque depois que Amazon engolir tudo, ela vai botar o preço que ela quiser. Agora é muito mais barato, mas quando ela destruir toda a concorrência… para que ela quer fazer isso? Para colocar o preço que ela quiser depois. Isso podia ser até crime, deve ser crime e é crime, mas tem um nome para essa prática que é desleal, uma prática de concorrência desleal. Eles são muito grandes, tem muito poder.
*Entrevista realizada por Luiz Henrique Oliveira & Lucas Rodrigues durante a CCXP 2019.
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Eduardo Graboski
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