O Vlogueiro Pirula faz sucesso na web - Foto: Divulgação O Youtube é um site relativamente novo, mas que já deixou muita gente famosa e alguns até enriqueceram
Fabiano de Abreu Publicado em 15/02/2016, às 16h35
O Youtube é um site relativamente novo, mas que já deixou muita gente famosa e alguns até enriqueceram usando a plataforma de vídeos do site, pertencente a gigante Google.
Sempre há canais que chamam nossa atenção, geralmente de humor, ou tutoriais, mas um em especial acabou me fascinando e por conta disso fui conhecer seu criador e produtor. O Vlog do Pirula, que possui mais de 380 mil inscritos, é hoje um dos canais mais fidelizados do Youtube.
O Paleontólogo Pirula, formado em biologia, com mestrado e doutorado foram em zoologia, com ênfase em paleontologia, ganhou o apelido dos tempos de faculdade.
Pirula usa seu canal no para falar de tudo, tudo mesmo, ciência, religião, pitaco sobre entretenimento, coisas sérias como política, meio ambiente e afins, sempre usando muita acidez e perspicácia e elucidando algumas questões, muitas ambientais, que estão presentes em nosso cotidiano. agora vamos deixar de papo e ver o que o Pirula tem a dizer.
Confiram abaixo minha entrevista com o vlogueiro que é um dos fenômenos dessa nova realidade da comunicação mundial, o Youtube.
Quem é o Pirula?
O Pirula é um paleontólogo que sempre se interessou por divulgação científica, sempre gostou de explicar pras pessoas as maravilhas do mundo natural. Sério mesmo, desde criança que eu ficava mostrando pra todo mundo trechos de documentários da BBC, enchendo o saco dos adultos. Quando me formei em biologia, segui meu sonho de trabalhar com fósseis, e dava cursos sobre Evolução e paleontologia em faculdades e colégios. Cheguei a dar aulas um tempo, em colégio e universidade, mas o Youtube abriu novas portas, muito mais eficientes e gratificantes.
O nome Pirula é sobrenome?
(Muitos Risos). Não, é um apelido de faculdade. Já sou o Pirula há 16 anos, e hoje quase todo o meu círculo de amizades me conhece assim. Até os professores da faculdade me chamavam de Pirula. Um dia eu incluo no RG, igual a Xuxa ou o Pelé.
Quando começou a postar vídeos no YouTube, imaginou o “sucesso” que faria?
De forma alguma. No começo era apenas pra mostrar para os amigos, em discussões de comunidades do orkut ainda… (risos). Faz tempo. Era mais fácil gravar os argumentos em vídeo do que ficar escrevendo textão. Depois, foi mais pela catarse mesmo, falar o que eu tinha vontade, depois de ler e ouvir muita besteira dos outros. Só quando começaram a compartilhar e comentar é que achei que valia a pena continuar, mas nunca imaginei que tanta gente iria assistir. Ok, não são milhões, como muitos canais, mas dado o tipo de tema e o comprimento e edição dos meus vídeos, acho que é muita gente. Mais do que imaginava.
É difícil ter visibilidade em um país em que a maioria das pessoas se interessam mais por outros tipos de vídeos?
Olha, isso depende muito. O Átila por exemplo (canal Nerdologia) conseguiu montar algo muito interessante, deixando temas científicos mais palatáveis pra molecada, unindo eles ao universo Geek e Nerd. No meu caso, acho que ter falado de temas que estavam na crista da onda ajudou a espalhar meu canal pra mais gente. Mas sim, eu sei que meu canal não terá a visibilidade da Kéfera, por exemplo. Por mais que eu cresça, ela sempre estará a léguas de dianteira. Mas isso não é exclusividade do Brasil. Na gringa, você vê que os youtubers que falam de ciência fazem sucesso (até por causa do idioma inglês, que abarca muitos países), mas não fazem tanto sucesso quantos vídeos de entretenimento (comédia, games, maquiagem, etc). Todo mundo consome entretenimento, até os cientistas. Nem todo mundo consome ciência. Temos que lembrar também que o brasileiro padrão ainda não está acostumado a assistir vídeos na internet, então, acho que ainda é cedo pra lamentarmos. Quando a banda larga e o hábito de ver vídeos se consolidar pra maioria da população, talvez tenhamos uma resposta.
Quais os tipos de vídeos que mais os brasileiros vêem?
Até onde sei, vídeos curtos com alguma piada, videocassetada ou gatinhos (que são facilmente compartilháveis pelo whatsapp). Falando explicitamente de Youtube, com certeza os temas mais acessados são comédia, games, vlogs “teen” (que falam de amenidades e cotidiano adolescente, bem como propõem desafios e coisas do tipo) entretenimento em geral e maquiagem.
Percebo em comentários de matérias que o brasileiro gostas muito de ser Do Contra, existem mais pessoas para criticar ou para elogiar nos comentários de seus vídeos? Como você avalia os comentários?
Olha, eu vejo que isso é tão verdade, que nem só quem comenta é do contra, quem faz vídeo também. Hahahahaha. Se for parar pra pensar, mesmo quem dá opiniões senso comum dá de uma forma como se fosse “o que o brasileiro não quer ouvir, mas é a verdade”. Já é a opinião da maioria, mas o autor do vídeo dá a entender que não é. E se a pessoa vai contra o senso comum, deixa todo mundo com raiva, mas faz ainda mais visualização. Ser do contra faz sucesso mesmo quando você não é do contra.
Já falando especificamente dos comentários, a maioria é mesmo negativa. Mas faz sentido, quem gosta (a maioria usualmente gosta) não comenta nada, porque é um expectador passivo, assiste, concorda, e deixa quieto. Quem discorda é que sente mais ímpeto de comentar, de discutir, de mostrar seu ponto de vista, e de gravar um vídeo, eventualmente.
Andrew Behring Breivi, o norueguês dos atentados de Oslo, disse uma certa vez que o problema do Brasil é a mistura de raças, muitos outros falaram a mesma coisa, qual sua opinião sobre este assunto que foi tema de matéria no G1, da Globo:
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/07/mistura-de-racas-do-brasil-e-catastrofica-diz-texto-de-atirador-da-noruega.html
O Brievi é uma fundamentalista religioso xenófobo (provavelmente neonazista), uma pessoa que provavelmente já possuía algum desequilibro mental antes de esbarrar em ideias que o levaram a ser um fanático. Sendo assim, tudo que ele fala deve ser analisado com cautela, até ver se é realmente verdade. O pensamento xenófobo na Europa é um problema de décadas, e que se agravou muito no último ano devido às ondas de imigração. Mas em 2011 essa xenofobia já não era fraca. Todas essas ideias xenófobas de que “outras raças são inferiores” e “vieram pra roubar nosso emprego” usam discurso nazista para se sustentar, e eventualmente até desvirtuam Charles Darwin pra justificar suas ideias (uma vez que as ideias xenofóbicas são apenas econômicas e políticas, e não biológicas). Aí começam a pinçar evidências da realidade que corroboram com suas ideias prévias, descartando as que desmentem (o chamado “cherry picking”). O Brasil possui mistura de raças, e é muito corrupto, logo, haveria uma causalidade entre esses fatos (um causaria o outro). Porém, neonazis xenófobos ignoram a Rússia, que também figura entre os países mais corruptos do mundo, e quase não teve imigração (apesar de existirem muitas etnias nativas do território russo). O mesmo pode ser dito de Ucrânia, Polônia, Romênia e Argentina, países com relativamente pouca mistura étnica recente (porque a longo prazo, não existe nenhum povo não-misturado), mas ainda assim com altíssimos índices de corrupção. A meu ver, essa ideia do Brievi não se sustenta.
Acredita que o problema no Brasil seja cultural, governo?
O Brasil tem um problema cultural de não se importar com política. O povo sempre teve líderes que tomavam conta de tudo, mesmo que de forma inadequada, e não precisava se preocupar com a responsabilidade do que era feito no governo. Tanto é que a democracia (o povo escolher os governantes) é algo que foi a exceção da exceção na história do nosso país. Saímos da colônia pra monarquia, da monarquia pra república café-com-leite (onde o povão mesmo não votava), depois a ditadura de Vargas, depois tivemos uma ilusão de democracia por alguns anos (em que Vargas foi inclusive reeleito), e depois 20 anos de golpe militar. Nosso primeiro presidente eleito democraticamente por todos os brasileiros sofreu impeachment 2 anos depois. Todos os presidentes eleitos depois, foram reeleitos. A maioria dos brasileiros não gosta de mudança, e quando ocorre, não quer pegar as responsabilidades para si. E o governo acaba sempre caindo na mão dos mesmos, famílias de coronéis que dominam o Brasil às vezes desde a época das capitanias hereditárias, e estão muito confortáveis assim. Mesmo que os altos cargos executivos não pertençam a essas famílias, a maioria dos cargos e a engrenagem do sistema ainda pertencem. Enquanto não houver uma melhora da educação, e uma preocupação do brasileiro com política, não vejo as coisas melhorarem. E isso inclui eu mesmo, preciso fazer meu mea culpa aqui. Me preocupo menos com política do que devia.
Você acredita que os vídeos na internet substituirão as emissoras de televisão? Hoje as Tv`s tem internet, as pessoas vêem filmes e assistem vídeos na televisão conectada ao invés de ligarem em uma emissora, inclusive as novelas e, outros programas estão sofrendo uma forte queda na audiência.
A TV vai mudar drasticamente nos próximos anos. Creio que devido à redução do aporte de dinheiro mesmo, redução dos patrocínios, e isso já está sendo sentido. Porém, assim como a TV não extinguiu o rádio, a internet não vai extinguir a TV. Essa extrema unção da TV já foi dada inúmeras vezes, mas é um veículo muito forte pra ser derrubado desta forma. Talvez a TV aberta daqui a 20 anos se torne igual ao que a rádio AM é hoje: apenas pessoas amadoras, programas do governo ou alguns sobreviventes “jurássicos”; e talvez a TV por assinatura se torne como as rádios FM de hoje: em alguns momentos serão úteis ainda, e o pessoal ainda vai manter a frequência de alguns programas. Mas é um chute. Teria que haver uma mudança muito drástica da burocracia pra extinguir as emissoras de TV por exemplo, que são concessões estatais, e o método da internet ainda assusta demais a todos os envolvidos: governo, emissoras e anunciantes. Mas que vai mudar totalmente, isso vai.
Você parece ser bastante coerente e pesquisar bastante, inclusive quando você acreditar ter errado algo, você em imediato faz um video de desculpas ou respostas. Você se cobra muito? Acredita que o ser humano deva ser “perfeito” e não cometer erros? Ou acredita apenas em passar a mensagem correta dentro de sua opinião e pesquisa?
Todo ser humano comete erros, e é errando que se aprende. Não espero que as pessoas não errem, e eu como ser humano normal, erro demais. Posso dizer que sou exigente demais com o que digo, e também com o feedback que recebo do público. Isso faz com que eu deteste errar, e que me corrija depois. Mas parar de errar vai ser impossível de acontecer. Posso no máximo errar erros diferentes. Quanto a passar a mensagem correta dentro da minha opinião e pesquisa, eu sempre quero passá-la, mas isso não exclui o erro. Até porque “mensagem correta”, dependendo do assunto, do enfoque e da forma de dizer, já pode deixar de ser tão correta.
A influencia de sua opinião obviamente sempre vai pesar em relação a mensagem que você quer passar em seus videos, você procura ser o mais neutro possível? Eu por exemplo acredito que independente da opinião que a pessoa tenha, existe uma razão, existe algo que não é discutível, são as provas, mesmo com provas, muita gente ainda procura debater contigo?
Olha, essa é a parte mais difícil. Mas eu ainda nem posso reclamar, o pessoal que faz vídeos mais da área de humanas sofre muito mais, com pessoas confundindo fatos com opinião. Claro, existem discussões acadêmicas bem acaloradas, e esses assuntos acabam sendo algo de controvérsia do público leigo, é normal. Agora tem certas evidências que não fui eu quem falou, foram dados sérios coletados, mas as pessoas continuam achando que é a minha opinião. Mesmo eu deixando a fonte original na descrição do vídeo. Mas eu acho que está melhorando, as pessoas estão aprendendo a pensar com mais lógica, e devagarzinho, acho que vão aprender a separar os fatos das opiniões.
Quanto aos meus vídeos, eu tento separar fato de opinião, mas é ilusão achar que consigo. É óbvio que a minha opinião vai entranhada em boa parte dos fatos que narro, por mais que eu me esforce pra evitar. Mas isso não muda os fatos que narro, e eu estou sempre me esforçando pra diminuir a incidência disso nos meus vídeos.
Podemos considerar que você faz sucesso com vídeos da internet, dentro de um nicho mais intelectual, você ganha dinheiro com isso, como?
Olha, pela pesquisa que fiz recentemente, eu tenho uma boa parcela do meu público fazendo universidade ou já formados, mas não sei se intelectual possa ser aplicado a todos. Mas entendo o que você quer dizer, seria mais pelo interesse deles em certos assuntos.
Bom, eu ganho o que o Youtube paga com anúncios. Não ganho nenhum rio de dinheiro, como alguns dos youtubers grandes, mas eu consigo tirar algum complemento. Outra alternativa seria pegar merchans, mas aí sim, graças à temática dos meus vídeos, é difícil que ofereçam merchan, e quando oferecem, corre o risco de ser algo que se eu anunciar, queimará meu filme com o público. Então, acabo ficando sem essa alternativa, por enquanto.
Qual sua meta em vídeos para internet? Qual seu principal objetivo?
Eu queria que as pessoas se acostumassem a pensar suas opiniões de forma mais neutra, e principalmente, que pesquisassem antes de falar. Só pesquisar já tava bom. Mas claro, num mundo ideal, que aprendessem a diferenciar fontes confiáveis de fontes duvidosas. Se eu puder ser uma voz pra ajudar as pessoas nisso, melhor. Mas caso não seja eu, que eu possa influenciar bem as pessoas que farão esse papel. Se eu puder ganhar um dinheiro com isso, eu gostaria também. Sou idealista, mas não sou besta. Risos
Qual a sua idéia na questão do conhecimento das pessoas referente a realidade, já que a maioria dos vídeos no YouTube que rendem audiência são de temas mentirosos, fantasiosos, pois a curiosidade sempre rende. Isso afeta quanto o intelecto das pessoas na questão da aprendizagem? Acha isso perigoso?
Eu sou suspeito pra falar, porque como esse tópico me toca pessoalmente, corro o risco de supervalorizar o problema. Mas sim, eu acho muito perigoso, e não digo que afete a capacidade de aprendizado das pessoas, mas pode transformá-las em pessoas que dificilmente aceitam opiniões contrárias, que nunca mudam de ideia, e mesmo em paranóicas. Mas eu vejo que a curiosidade das pessoas é uma coisa boa. Esse interesse pelo desconhecido é a roda motriz da ciência. As pessoas são interessadas por coisas científicas, mas ainda possuem a ideia de que ciência “é chata”, e explicações mais mirabolantes – e muitas vezes falsamente auto-proclamadas científicas – parecem mais interessantes. Então, que as pessoas mantenham a curiosidade, mas temos que canalizar essa curiosidade mais pra realidade do que pra fantasia ou conspiração.