Em entrevista para a Quem, Mariana Belém conta em detalhes o abuso que sofreu aos sete anos
Redação Publicado em 25/01/2021, às 07h46
Mariana Belém deu uma longa entrevista para a Quem, publicada nesta segunda-feira (25/01), onde falou sobre o abuso sexual que sofreu quando era criança, e comentou como tem tratado desse assunto com suas duas filhas.
Mariana disse que só conseguiu falar publicamente sobre o assunto recentemente, inclusive para sua mãe, Fafá de Belém. "Demorei um pouco para perceber o que aquilo significava. Mas, ao mesmo tempo, acho que foi a primeira oportunidade na vida em que pude aprender o que era fé sem saber que aquilo era fé. Aquilo era crer em alguma coisa e ser salva por alguma coisa", explicou.
Questionada sobre quem era a pessoa que cometeu o crime, Mariana preferiu não dizer. "Pela mesma razão que eu não contei para a minha mãe, eu não me sinto confortável de falar o nome da pessoa porque, enfim, é um campo que eu prefiro não mexer", destacou a cantora. No entanto, explicou como o abuso aconteceu, em detalhes.
"O que aconteceu foi que minha mãe foi trabalhar e ele dispensou os empregados e me convidou para ir para o quarto dele. Aí eu fui, achando que ia ver televisão. E ele começou a passar a mão no meu corpo, enfiou a mão dentro do meu biquíni, botou a mão mesmo, não chegou a inserir o dedo na minha vagina. Depois pegou a minha mão e colocou no pênis dele e eu tirei. Ele falou: 'Não! Pega e lambe'. E eu disse: 'Não, minha mãe não vai gostar disso'", relembrou.
Ela prosseguiu: "E foi na hora que eu saí voando. Eu nunca esqueci o quarto, a cama, nada. Eu lembro de tudo perfeitamente: da escada que eu desci correndo, da minha mãe abrindo a porta, de tudo", frisou.
Mariana contou que se lembra de vários detalhes do dia do abuso. "Lembro que desde o momento que ele (o abusador) liberou os empregados para eles irem para casa... Não conseguia esquecer o olhar dos filhos dos empregados para mim, era um olhar de pânico. Com certeza todos passaram pelo que passei, de repente até de forma pior. Então aquilo já me deu um alerta de que alguma coisa estava errada".
"Enquanto ele fazia as coisas, eu sabia que estava errado e eu falava: 'Minha mãe não vai gostar disso'. Ele falava: 'Sua mãe não precisa saber'. Eu corri e, graças a Deus, minha mãe abriu a porta na mesma hora. Não sei o que seria de mim se ela não tivesse aberto a porta, não era para ela chegar naquela hora", comentou.
Sobre outras lembranças da ocasião, Mariana relatou mais detalhes: "Começou a chover e minha mãe chegou antes, então eu só tendo a acreditar mesmo numa força maior. E aí, ao longo da vida, ao invés de eu olhar para filmes, livros ou matérias que tivessem assédio e falar: ‘ah, meu Deus, não posso olhar isso porque isso me causa uma coisa ruim’, eu fiz o contrário. Eu sempre me interessei muito por ler essas coisas, assistir e trabalhar isso dentro de mim".
Mariana explicou que fez tratamento por causa dos traumas que sofreu aos sete anos. "Aos dez anos, fui para uma psicopedagoga, não me lembro se cheguei a verbalizar tudo isso, mas depois, ao longo da vida, em todas as terapias que eu fiz (quântica, holística, tradicional), mencionei isso e acredito que fui tratando no decorrer da vida", disse. Na sequência, a cantora relatou o que sentia na época.
"Acho que o pior é que sempre fica na nossa cabeça que a culpa é nossa. Eu tinha sete anos e usava só a parte de baixo do biquíni, então imagina... Ficava pensando: 'Será que é isso? Será que não posso?'. Imagina! Sete anos! A criança ainda não tem nem peito. Você fica com uma sensação de que você provocou e esses caras fazem com que você sinta que provocou: 'A culpa é sua, você que estava se insinuando com sete anos'".
Ela relatou que ficou com o psicológico abalado pela situação. "Eu acho que passa um tempo que você ainda fica se perguntando, se culpando e eu tinha muita vergonha de falar para a minha mãe. Eu tinha medo do que ela poderia fazer e acho que fui tratando isso dentro de mim".
"A única coisa que ficou mais complicada para mim e faz pouco tempo que não me afeta mais é quando mexiam comigo na rua e até em balada. Mas mais na rua, quando qualquer cara que passasse falava algo perto do meu ouvido, eu ficava muito agressiva, eu xingava. Minha mãe sempre falava: 'Mariana, uma hora isso vai dar confusão'. E eu falava: 'Não, só grito quando tem gente em volta'. Mas me incomodava (o assédio) de uma maneira muito violenta. Acho que esse foi o maior reflexo que tive disso durante muitos anos e só há pouco tempo, uns três anos ou quatro anos, que parou de me atingir dessa forma".
Ela continuou: "Eu acho que entender o porquê de aquilo ser errado eu demorei um pouco. Lembro que logo na sequência fomos viajar de novo e essa mesma pessoa apareceu no hotel que estávamos e eu fiquei debaixo de uma mesa chorando com meu melhor amigo. Eu sabia que aquilo era errado, que era uma violência, eu tinha medo dele, mas não sabia exatamente o porquê".
"Quando cheguei na adolescência e comecei a entender o que é sexo e intimidade, passei a entender. Mas só quando eu tinha 24 anos, 17 anos depois do ocorrido, que eu contei para a minha mãe, porque existia uma chance de a gente ir num lugar que esse cara talvez estivesse. Ela questionou muito a minha rigidez quanto a essa pessoa e eu resolvi falar", comentou.
Mariana falou sobre a reação de Fafá ao saber da história. "Ela chorou muito e, para mim, foi como se eu tivesse feito um exorcismo porque minha mãe sempre soube de tudo da minha vida, em todos os aspectos. Minha mãe é minha confidente, desde pequena sempre fomos muito nós duas e para mim era muito difícil carregar isso sem contar para ela. E aí acho que demorei a contar por medo da reação dela e de alguma coisa acontecer com ela depois, retaliação, sei lá. Mas também porque fica uma vergonha, um sentimento de culpa".
Mariana falou abertamente sobre o assunto durante o período de pandemia e explicou seus motivos. "É que quando começou a pandemia, eu resolvi mudar para a casa da minha mãe porque as minhas filhas estavam no sítio com o pai e aí eu falei: 'Eu não quero minha mãe sozinha'. A gente se testava toda semana, mas ficou morando junto e alguma coisa passou na televisão que a gente estava assistindo junto sobre abuso e eu desembestei a falar".
"Quando eu olhei para ela, ela estava me olhando com uma cara meio assustada e falou: ‘nossa!’ E eu respondi: ‘mãe, eu já tinha te contado’. E ela disse: ‘não com esses detalhes’. Porque a parte do que ele fez comigo, de ter posto a mão e ter mandado eu fazer isso ou aquilo, eu achei que naturalmente tinha falado para ela, mas não tinha. Então só contei como foi agora, na pandemia, aos 40 anos", prosseguiu.
Ela falou também sobre como tem abordado o assunto com suas duas filhas. "Acredito que muita menina e menino da minha geração passou por abuso. Mas não se falava muito disso. Hoje em dia a gente se sente mais na obrigação de falar sobre isso, tem menos tabu", frisou.
"Eu falo para as meninas, desde que elas são muito pequenas, quem pode limpar as duas no banheiro. Mesmo que elas estejam em uma festinha de família, com amigos da família, digo que qualquer pessoa que pegue nelas de alguma forma, elas devem gritar ‘mamãe ou papai’. Então elas sabem quem pode e quem não pode levá-las no banheiro para limpar", destacou na sequência.
Mariana então contou como a família se comunica. "Uma outra coisa que eu e o Cris sempre frisamos com elas é que não existe segredo entre adulto e criança. Qualquer coisa que um adulto fale para elas que é um segredo, elas têm que contar para o pai e a mãe de qualquer forma. É assim que a gente cuida e alerta as meninas sempre. A Laura já está com oito anos e eu consigo falar um pouco mais. Mas vou inserindo de acordo com a idade delas", finalizou.
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