Lima Duarte se despede de Flávio Migliaccio e emociona: “Eu te entendo, eu vou logo”

Ator disse que entende a decisão do amigo e disse que em breve vai encontrá-lo novamente

Redação Publicado em 06/05/2020, às 11h25

Lima Duarte emocionou ao se despedir de Flávio Migliaccio - Foto: Reprodução

Um dos veteranos da TV brasileira mais queridos pelo público, Lima Duarte se despediu do amigo, o ator Flávio Migliaccio, encontrado morto na última segunda-feira (04/05), com um vídeo emocionante.

Na gravação, o ator, que atualmente está com 90 anos, disse que “entende” a decisão Flávio (o ator cometeu suicídio) e lembrou o início dos dois no mundo das artes.

“Eu te entendo, Migliaccio, eu te entendo. Porque eu, como você, sou do Teatro de Arena, com Paulo José, Chico de Assis, com o [Gianfrancesco] Guarnieri. Foi lá que aprendemos com o [Augusto] Boal que era preciso, era urgente que se pusesse o brasileiro em cena. Num Brasil dominado por essa interpretação de consumo, posto que éramos uma colônia cultural. Somos ainda. Era urgente que se pusesse o homem brasileiro em cena, com o seu falar, com o seu sentir, com o seu jeitão”, começou.

No vídeo, Lima Duarte comemorou o fato de ele, assim como o colega, terem conseguido colocar a “alma brasileira” no teatro, cinema e TV.

“A alma brasileira, você foi um mestre. Você conseguiu colocar e eu também. Colocamos em cena o homem brasileiro. Foi linda essa viagem, essa aventura foi espetacular. Nos dedicamos a isso com denodo, com ardor, com paixão. Colocar a alma brasileira em cena. Nós conseguimos isso no Teatro de Arena. Foi lindo”, continuou.

Ditadura militar

Na despedida ao amigo, Lima Duarte falou ainda sobre como enfrentaram a Ditadura Militar, na década de 60, diz mais uma vez que entende a decisão de Flávio, e declara que não teve coragem de fazer o mesmo.

“Depois veio, e é por isso que eu te entendo, 64. Pouco depois de 64 nós ficávamos ali na escada da rua Tupi, que tem até hoje, esperando a veraneio que viria nos buscar. Um carro daquela época. E um dia virou um direita ali na esquina da Tupi, encostou, eu disse: ‘É a minha’. E os outros disseram: ‘É isso, Lima, vieram buscar o Alicrenes’”, lembrou, referindo-se a seu nome de batismo, Ariclenes Venâncio Martins.

“Esse momento tem uma coisa de tumor, fundo e úmido, quando eu tive que me virar pro Dionísio [Azevedo] e dizer: ‘Vai lá em casa e avisa que eles vieram me buscar. Diz pras minhas meninas que o papai volta’. E acompanhei os senhores até o DOPS, onde hoje é a cracolândia. Aí quando entrei numa sala sombria, ali no sofá à direita dois cavalheiros sentados: [Romeu] Tuma e assistente do delegado Fleury. Estavam ali os dois e se perguntavam quem eu era. E eu fui prestar o meu depoimento. Minha história lá é outra, que oportunamente eu conto para vocês”, continuou.

“Eu te entendo, eu vou logo”

“Foi aquele tempo sombrio que marcou Duarte. Por isso, por ter vivido esse momento, por ter pertencido à lenda, eu digo que eu te entendo. Eu te entendo, Migliaccio. Agora, quando sentimos o hálito putrefato de 64, o bafio terrível de 68, agora, 56 anos depois, eu tenho 90, você com 85, quando eles promovem a devastação dos velhos, não podemos mais. Eu não tive a coragem que você teve”, disse, visivelmente emocionado.

“Você me espera, meu amigo. Eu vou logo. Eu vou me encontrar com Boal, com você e vamos nos encontrar pra aquelas piadas horrorosas que você contaria, que o Chico de Assis apontava. Nos encontramos logo. Pros que ficam, eu quero lembrar uma das falas de Pedro Jáqueras em “Os Fuzis da Mãe Carrar’, ‘Os que lavam as mãos, o fazem numa bacia de sangue’”, finalizou ele.

Flávio Migliaccio tinha 85 anos e foi encontrado morto na última segunda-feira (04/05), no sítio em que morava em Rio Bonito, no Rio de Janeiro. A causa da morte foi suicídio, de acordo com o 35º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro. O ator deixou uma carta de despedida.

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